segunda-feira, 14 de setembro de 2009

REFORMA TRIBUTÁRIA
A importância do tributo não precisa aqui ser discutida, é instituto jurídico e social permanente, necessário e vital para o Estado e para as nações. Todos conhecem o velho ditado americano: “há duas certas na vida: o imposto e a morte...” E por estar tão presente em nossa vida diária, o tributo é fonte constante de discussões, e alvo de incessantes propostas de reformas. Muita gente pensa que apenas o Brasil precisa de uma reforma tributária. Este, porém, é um tema recorrente, não apenas no Brasil. Muitos países europeus também discutem a necessidade de fazer reformas em seu sistema tributário. Os EUA também discutem com freqüência a reforma em seu sistema tributário.
No nosso caso, o tema é recorrente porque o nosso sistema, em termos gerais, tem estrutura obsoleta, prejudica a competitividade, é demasiado complexo, induz à sonegação, inclusive a não intencional, e não é propício à harmonização com outros sistemas tributários .
A globalização e os acordos de integração requerem linguagens tributárias comuns no mundo inteiro, uma espécie de língua universal tributária. Outra forma de definir este processo é a chamada busca de "harmonização" entre os sistemas tributários. Estamos agora concluindo um livro que trata precisamente da influência do MERCOSUL no sistema tributário brasileiro, no qual analisamos exatamente o processo de aproximação das legislações tributárias dos Estados membros do MERCOSUL.
São características indispensáveis ao processo de harmonização a simplicidade e a generalidade. É difícil, senão impossível, harmonizar sistemas complexos e com exceções. A simplicidade, aliás, é uma demanda permanente da sociedade brasileira, cujo sintoma mais evidente foi o movimento de apoio ao imposto único, no início dos anos 90.
Portanto, discute-se muito nos últimos anos a proposta de reforma tributária. Inicialmente, a principal pergunta que devemos fazer é: qual reforma precisamos? Qual a reforma tributária necessária para que sejam estabelecidas relações harmoniosas entre a Fazenda Pública e o contribuinte, no país? A pergunta é necessária tendo em vista que a expressão é utilizada sem qualquer critério. Vemos que o leigo não tem a menor idéia do que vem a ser uma reforma tributária, e a mídia nacional não distingue os diferentes sentidos que a expressão alcança.
Logo após a promulgação da Emenda Constitucional nº 42/2003, que foi chamada a emenda da reforma, começou-se a falar novamente de uma reforma de maior profundidade. O próprio governo federal admitia que a emenda 42 não fora suficiente, e isso todos nós sabemos. Estamos agora discutindo a reforma proposta pela PEC 233/2008. A idéia central é realizar uma profunda cirurgia no texto constitucional, principalmente no capítulo do Sistema Tributário Nacional, alterando a atual discriminação de rendas tributárias, criando um imposto federal sobre as operações de circulação de mercadorias (o IVA Federal), mantendo o ICMS estadual, com algumas modificações, além de promover outras modificações pontuais na Constituição. Não vou adentrar nessas questões básicas, deixando aos colegas a análise.
A proposta que está na mesa, portanto, dispõe sobre a criação do IVA no Brasil, exigindo uma alteração no atual sistema constitucional tributário. Há ainda quem defenda uma reforma tributária infraconstitucional, espancando-se do nosso direito positivo a parafernália de leis, decretos, medidas provisórias, instruções normativas, que tanto dificultam o cumprimento das obrigações fiscais pelo contribuinte (aliás, emaranhado de normas que até incentivam o não recolhimento dos tributos devidos).
A pergunta a ser feita, portanto, é: qual reforma tributária precisamos? Uma reforma constitucional tributária, ou uma reforma em nossa legislação tributária ordinária? Se constitucional, qual seu âmbito? O que mudar? O que reformar? Vejam, apesar de estarmos aqui a discutir a PEC 233/2008, cabe refletir, pois há tempo ainda, nada foi aprovado, sobre o alcance da reforma pretendida.
De notar que a expressão - reforma tributária - pode ser entendida em três sentidos diferentes. Temos, numa primeira análise, a chamada reforma constitucional tributária ampla, aqui entendida como reforma do conteúdo constitucional referente à distribuição das competências tributárias hoje insertas no Texto Maior. Emendar a Constituição, neste sentido, significa alterar a vigente discriminação constitucional de rendas tributárias.
Visto assim, a reforma abrangeria o núcleo do sistema tributário brasileiro, modificando o número de tributos a cargo da cada um dos entes tributantes da Federação, União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios. Teríamos, neste caso, uma reforma de base, de estrutura, afetando os fundamentos da atual discriminação. O projeto de reforma tributária proposto pelo Governo Federal, ora em tramitação no Congresso Nacional, contempla em parte este sentido, modificando vários dispositivos constitucionais que resultarão em uma alteração de profundidade na atual discriminação constitucional de competências tributárias.
Outro sentido pode ser emprestado à expressão ora em análise. Referimo-nos à possibilidade de reforma em outros dispositivos contidos no capítulo constitucional tributário, e que necessariamente não precisariam estar ali contidos. Teríamos aqui uma reforma constitucional tributária restrita, pontual. Um exemplo pode ser pinçado no artigo 146, onde vemos que cabe à lei complementar “dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, e estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária”. Neste último mandamento, abre o dispositivo quatro alíneas completamente supérfluas, pois todas elas estão contidas no todo, previsto antes (“estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária”).
Outro exemplo pode ser tirado do art.148, parágrafo único, aquele que manda que “a aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição”. Ora, se o empréstimo compulsório deve ser instituído para “atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência”, ou “no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art.150, III, b”, como quer o caput do artigo, qual o sentido de uma regra como esta do parágrafo único do art.148? O próprio fundamento para a instituição do tributo vincula, por evidente, a receita à despesa.
Sabemos perfeitamente que ela está ali para tentar coibir a velha prática de instituição de empréstimos compulsórios para cobrir os rombos do Tesouro, mas não será uma regra dessas que irá impedir que se continue com tal costume. Podemos citar também o art.151, III, da Carta Maior, proibindo a União de estabelecer isenções de tributos estaduais e municipais, quando toda a doutrina e Jurisprudência nacionais entendem que o poder de tributar envolve o de isentar, isto é, apenas a pessoa política titular da competência para criar o tributo pode conceder sua isenção. Também neste caso a história recente da prática legiferante da União explica a presença de um dispositivo aparente redundante, de presença desnecessária no Texto Maior.
Um terceiro sentido que podemos emprestar à expressão sob comento diz respeito à reforma da legislação tributária ordinária nacional. É a reforma tributária infra-constitucional. Cremos mesmo que o consenso que hoje vemos em nosso país, sobre a necessidade de uma reforma tributária, ampla, corajosa, e urgente, repousa nesta idéia central: precisamos, na realidade, de uma reforma infra-constitucional. Uma vassourada na miríade de leis, decretos, decretos-leis, resoluções, portarias, instruções etc., que infernizam a vida do contribuinte brasileiro, seja ele pessoa física ou pessoa jurídica.
Nosso sistema tributário, no que concerne à legislação hoje existente, é iníquo, complexo, sem equidade, provocando distorções e elevação dos preços. Não é segredo para ninguém que o mesmo, tal como está hoje dimensionado, inibe a atividade econômica. Nossa legislação tributária (e não nossa Constituição Federal) é irracional. Lembramos o saudoso Alfredo Augusto Becker, quando se referia ao “cipoal tributário”, em sua obra “Teoria Geral do Direito Tributário”. Um exemplo apenas ilustra o problema: a substituição tributária, utilizada a granel hoje pelo legislador ordinário, desvirtuando totalmente o princípio constitucional da não-cumulatividade aplicado ao IPI e ao ICMS.
Visto o sentido da expressão reforma tributária, e continuando nossa reflexão, devemos reconhecer que, nas últimas décadas, o debate sobre essa reforma tem adquirido crescente importância na definição das políticas públicas em vários países do mundo . Como dissemos inicialmente, de um modo geral, todas as sociedades democráticas têm questionado seu modelo tributário, independentemente do seu grau de desenvolvimento econômico, do nível da carga tributária por ela suportado e da quantidade ou qualidade dos serviços públicos colocados à sua disposição. Neste sentido, Reforma Tributária é assunto recorrente e universal.
Há, basicamente, duas razões que podem explicar essa constante demanda por reformas: a desestabilização do equilíbrio de forças que sustentam o pacto tributário e a necessidade de adaptação à evolução estrutural da economia.
O primeiro dos motivos relaciona-se com a própria razão de ser de qualquer sistema tributário. A tributação é, na sua essência, um acordo entre governo e sociedade, que, antes de tudo, define a aceitação, por parte dessa sociedade, de que é necessário existir governo, que precisa necessariamente ser por ela financiado. Esse pacto tributário estabelece o volume e, principalmente, a fonte desse financiamento. Em outras palavras, qualquer sistema tributário pressupõe, implicitamente, um acordo que define o quanto e quem deve suportar os custos da atividade governamental, estabelecendo as perdas e ganhos entre os diversos grupos sociais.
Ocorre que, com o passar do tempo, os parâmetros que definem o pacto tributário são alterados de forma direta pelas mudanças na legislação tributária, ou mesmo indiretamente, mediante o crescimento e o desenvolvimento econômico distintos entre as várias categorias de contribuintes. Portanto, quando uma desestabilização do equilíbrio de forças que sustentam o pacto tributário se apresenta, a sociedade passa a reclamar reformas .
O segundo motivo que justifica a necessidade de reformas em um sistema tributário relaciona-se às mudanças estruturais da economia, que devem ser acompanhadas pelas devidas adaptações nos sistemas tributários. Não proceder dessa forma significa estagnar as bases de financiamento governamental, o que seguramente gerará uma tributação ineficiente e terá aspectos negativos sobre a inserção internacional de um país.
Entretanto, ao optar por uma Reforma Tributária, a sociedade deve decidir sobre a estrutura do sistema tributário desejado. Dada a inexistência de um modelo ideal, deve-se buscar a formulação de um modelo que se aproxime de certas características desejáveis a qualquer sistema tributário. As cinco características clássicas que devem ser perseguidas para a obtenção de um "bom" sistema tributário são :
a) Eficiência econômica: um sistema tributário não deve interferir na alocação eficiente de recursos. Ou seja, a tributação não deve ser utilizada de forma a, por exemplo, incentivar o indivíduo a reduzir suas horas trabalhadas ou a determinar a localização de uma empresa em um lugar que não seria escolhido caso não houvesse um benefício fiscal.
b) Simplicidade administrativa: certamente que, para se desenhar um sistema tributário eficiente e justo, é necessária certa dose de complexidade. No entanto, essa complexidade pode gerar custos tão altos – a serem arcados pela própria sociedade – que acabam por prejudicar qualquer noção de eficiência e justiça. Isso porque, quanto mais complexo um sistema tributário, maior a probabilidade de evasão fiscal e mais difícil sua fiscalização.
c) Flexibilidade: o sistema tributário deve poder adaptar-se facilmente a mudanças econômicas. Vale notar que essa flexibilidade deve ser algo como uma sintonia fina, um ajuste permanente do sistema tributário ao ambiente econômico. Nos casos de falta desses pequenos ajustes contínuos, os problemas irão se agravando e, provavelmente, só poderão ser resolvidos com uma reforma mais radical.
d) Responsabilidade política: o sistema tributário deve ser desenhado de modo que os contribuintes saibam exatamente o quanto estão pagando, possibilitando que o sistema político possa refletir as preferências dos indivíduos. É indesejável, por exemplo, a existência de tributos que são repassados a contribuintes distintos daqueles que referidos na legislação ou de alíquotas efetivas que raramente se aproximam do nível nominal, sem que tais fatos sejam de conhecimento geral.
e) Justiça: essa é uma das características mais desejadas e mais discutidas na elaboração de qualquer sistema tributário. Dada a extrema dificuldade prática de sua definição e alcance, a justiça deve ser entendida como a aceitação, pela maioria, do pacto tributário acordado. Vale mencionar que, modernamente, a linha de pensamento mais em voga é a que defende justiça ou progressividade em relação às atividades líquidas do Estado, isto é, o equilíbrio econômico após a ocorrência das receitas e despesas públicas.
No entanto, além dessas cinco características clássicas, as mudanças na ordem econômica internacional que vêm ocorrendo nas últimas décadas impõem uma nova característica aos sistemas tributários atuais: a inserção internacional. A importância dessa característica não deve ser minimizada, pois o país que não possuir um sistema tributário alinhado aos sistemas internacionais certamente sofrerá perdas significativas.
Na verdade, a globalização econômica tem afetado substancialmente a política tributária interna dos países. A autonomia que cada governo tinha em relação às suas políticas macroeconômicas vem, cada vez mais, sendo diminuída. De fato, qualquer ação tomada pelo governo terá repercussões que, seguramente, não ficarão circunscritas às fronteiras nacionais. A harmonização tributária torna-se, então, o processo mediante o qual os governos dos países afetados por essas distorções acordarão sobre a estrutura e o nível de coerção de seus sistemas tributários, minimizando os efeitos da tributação sobre as decisões de consumo e produção, independentemente de localização geográfica e nacionalidade.
O sistema tributário brasileiro, tal como é hoje concebido, tem suas raízes na reforma ocorrida em 1965, quando se privilegiou uma tributação mais racional do ponto de vista econômico e impostos modernos para a época foram criados . Como exemplo, podemos citar a introdução de impostos do tipo valor agregado, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Dessa forma, eliminou-se a tributação em cascata, uma das maiores fontes de distorção da economia.
Todavia, apesar do substancial avanço que essa reforma representou para o País, o sistema tributário nacional não continuou a evoluir, isto é, não se adaptou às alterações ocorridas na estrutura econômica brasileira desde então. Em muitos aspectos, até se pode admitir que o sistema tenha sofrido algum tipo de retrocesso, como no caso da introdução de Contribuições Especiais cumulativas, principalmente as sociais. Numa perspectiva histórica, pode-se afirmar que os anos 80 caracterizaram-se pela grave crise fiscal da União e, conseqüentemente, por uma tentativa de manutenção de receitas, mediante constantes alterações legais geralmente relacionadas com alterações de alíquotas e de mecanismos de indexação tributária .
Não obstante, a partir de 1994, a estabilidade econômica permitiu a obtenção da estabilidade tributária, resultando na busca de um sistema tributário mais simples, racional e eficiente, além de mais legítimo no que concerne a responsabilidade político-social. É precisamente nesse contexto que se enquadra a reforma tributária brasileira: ela nasce da necessidade de adaptação do modelo de tributação nacional à nova realidade brasileira e, dado o fortalecimento do processo de globalização, ao novo padrão econômico internacional.
Nesse sentido, no âmbito da tributação da renda, parte importante da reforma tributária brasileira já foi realizada nos anos 90 do século passado, mediante alteração das normas infraconstitucionais. Em particular, o Brasil diminuiu suas alíquotas incidentes sobre o lucro das pessoas jurídicas, que se encontravam em um patamar de 25% (mais adicional de até 18%), e passaram para uma alíquota básica de 15% (mais adicional de 10%). Além disso, a tributação passou a ocorrer em bases mundiais, ou seja, a alcançar rendimentos de filiais, sucursais ou controladas de empresas brasileiras operando no exterior, o que vem eliminado um foco potencial de elisão fiscal. É importante ressaltar, também, a introdução do tratamento da prática de preço de transferência. Todas essas medidas, em última instância, visaram alinhar o sistema tributário brasileiro ao padrão internacional, conferindo maior competitividade à economia brasileira.
De um modo geral, tem-se buscado a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias. Isso é verdade tanto para o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, quanto para o das Pessoas Físicas. No primeiro caso, cita-se a experiência do SIMPLES, que possibilitou maior facilidade para o pagamento de tributos por pequenas e médias empresas. Relativamente às pessoas físicas, foi reintroduzido o modelo de desconto simplificado na declaração de rendimentos.
Contudo, apesar dos avanços realizados, como bem lembra o próprio Ministério da Fazenda, há, ainda, muitos focos de ineficiência e distorção no sistema tributário brasileiro, particularmente concentrado nos tributos incidentes sobre o consumo. Na realidade, a urgência e a relevância de racionalizar a tributação dessa base de incidência é praticamente consenso nacional, uma vez que a atual estrutura tributária sobre o consumo acarreta perda de competitividade da economia, não alinhamento com sistemas tributários de outros países, redução das receitas potenciais - mediante exploração de uma base estreita e da guerra fiscal, além de estimular a evasão fiscal, não raro resultante de atos involuntários dos contribuintes decorrentes da complexidade do sistema.
A principal característica da tributação sobre o consumo no Brasil é a multiplicidade de impostos administrados paralelamente por diferentes níveis de governo. O Governo Federal administra o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), além de algumas Contribuições Especiais, como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e a Contribuição para o PIS/PASEP. Os Estados arrecadam o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e os Municípios, por sua vez, o Imposto sobre Serviços (ISS). Com essa estrutura, o Brasil detém a característica única de possuir dois impostos do tipo valor agregado (IPI e ICMS), administrados por distintos níveis governamentais, além de incidências cumulativas, com as várias contribuições especiais e o ISS. Contudo, mesmo o IPI e o ICMS impostos incidentes sobre o valor agregado, as restrições ainda existentes de acesso ao crédito pelo imposto pago descaracterizam tais tributos como não-cumulativos.
Além disso, não obstante o avanço resultante da desoneração dos bens de capital e das exportações pela introdução da Lei Complementar n.º 87, de setembro de 1996, e outros avanços posteriores, tanto o IPI quanto o ICMS têm estrutura obsoleta, com vários níveis de alíquotas que não guardam a menor racionalidade entre si, bem assim como bases de cálculo e legislação diferenciadas aplicáveis a Estados ou regiões distintos. Outra impropriedade é a sistemática de cálculo "por dentro" do valor do ICMS que praticamente impossibilita a aferição precisa da carga tributária efetivamente incidente sobre cada produto, impropriedade essa que a PEC 233 quer agora constitucionalizar de vez...
Como agravante, o atual sistema estimula a guerra fiscal entre os Estados porque admite, na prática, que os mesmos concedam incentivos e benefícios fiscais unilateralmente. O ICMS tornou-se um dos instrumentos mais utilizados na disputa pela atração de investimentos, com conseqüências extremamente negativas tanto do ponto de vista econômico quanto do fiscal, e isso apesar das amarras da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O ISS, por sua vez, além de cumulativo, é um tributo de base estreita, que não incide sobre grande parte dos serviços da economia e, em muitos municípios, nem mesmo foi instituído.
Como conseqüência de todas essas características, a tributação sobre consumo no Brasil tem gerado, inquestionavelmente, distorções e ineficiências econômicas, sobretudo setoriais, e agredido os princípios mais elementares de tributação, como a minimização dos efeitos dirigistas sobre os agentes econômicos, sistematicidade e congruência das normas (apenas o ICMS apresenta 27 diferentes regulamentos), segurança, continuidade jurídica e operacionalidade . Além disso, o alto grau de competição tributária tem comprometido a arrecadação do principal imposto, o ICMS. Do ponto de vista do cidadão, há baixa transparência da carga tributária efetivamente contida em cada produto consumido.
Adicionalmente, os custos administrativos do sistema, tanto públicos quanto privados, são altos. Por último, há um total desalinhamento em relação à tributação do consumo em outros países, dificultando substancialmente a harmonização.
Em conseqüência desses aspectos, vem-se tentando, desde os anos 90, promover uma reforma tributária de profundidade, mas que sempre esbarra nos interesses políticos e econômicos, sejam públicos, sejam privados. Todos estão lembrados da proposta de emenda constitucional 175-A, de 1996, cujo objetivo era de promover uma profunda reformulação do sistema tributário nacional. Na ocasião, optou-se por propor reforma limitada, que não compreendia as contribuições sociais, tendo em vista a necessidade de uma rápida tramitação para, principalmente, desonerar integralmente as exportações do pagamento do ICMS. A pressão dos Municípios fez com que o ISS também ficasse à margem da reforma. Avançou-se pouco, com a reforma dela resultante, a EC 42/2003, já aqui referida.
Em suma, como deve ser feita uma reforma tributária? Gostaria de encerrar aproveitando um comentário extraído de um página da internet, ligado ao Ministério da Fazenda . Reformar um sistema tributário é como reformar uma casa, mas com o pessoal continuando a morar dentro: não dá para fazer obra em todos os cômodos ao mesmo tempo. O bom senso manda fazer a obra aos poucos, uma peça por vez, cuidando dos interesses dos inquilinos de cada peça... Mas também a reforma tributária não pode ser tal como a construção de uma Catedral, daquelas que vão sendo feitas vagarosamente e parecem que nunca vão acabar. Lembramos os franceses, que dizem que o imposto é como vinho, quanto mais velho, melhor... Mas não esqueçam que o vinho, mal guardado, vira vinagre...